Adicionar mensagem

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Advogado do Diabo

Certa vez, durante sua aula de Psicologia Comunitária, o professor Wilson Senne disse que o consumo de drogas é inelástico: sempre existiu, sempre existirá. Simples assim. Um grupo apresentava um seminário sobre legalização da maconha, e para despertar os colegas, trouxe -lhes pó de café, chocolate, e uma lata de Coca-Cola. Drogas?

Para Medicina, droga é qualquer substância capaz de modificar a função dos organismos, resultando em mudanças fisiológicas ou de comportamento. A endorfina (chocolate) e cafeína (café e Coca-Cola) fazem parte deste grupo. Mas não são únicas, afinal milhares de substâncias provocam alterações fisiológicas (açúcar, por exemplo). E muitas delas são vendidas livremente ou com pequenas restrições (paracetamol, nicotina). A questão das drogas, portanto, refere-se pouco ao fato de provocarem mudanças corporais.

Drogas são aquelas substâncias cujo uso traz riscos associados ao seu usuário ou à comunidade. Se enquadram nesta categoria duas drogas lícitas e naturais: o álcool e a nicotina. Ambos tornaram-se caso de segurança pública e vem sendo exorcizados em quase todos os veículos de informação do país. Há anos, por exemplo, ninguém fuma nas novelas globais e todos os personagens que bebem são alcoolistas. Manoel Carlos, e seu mundo mágico do Leblon, "presenteou" o público com três destes nos últimos 15 anos (Por Amor em 1997/1998, Mulheres Apaixonadas em 2003, Viver a Vida em 2010) e entre uma novela horrível e outra teve ao seu lado Gilberto Braga (Celebridade 2003/2004) e Walcyr Carrasco (Alma Gêmea 2005/2006). Levando em conta que três destas novelas reprisaram e todas quebraram recordes de audiência na época de sua primeira exibição, pode-se dizer que suas mensagens foram bem passadas para o público, certo?

Também nos anos 2000, foi proibido o uso de animação e animais em propagandas de cerveja. O argumento foi a preservação das crianças. Porém propagandas de brinquedos caros e celulares da Xuxa continuam valendo. As propagandas de cigarro, igualmente, sofreram restrições e a indústria tabagista foi obrigada a fazer propaganda dos malefícios de seu produto. Entretanto, nenhum pacote de Bono é recheado de alertas sobre os males da gordura. E a Souza Cruz (que fabrica o cigarro Hollywood) pode patrocinar eventos como Diálogos Universitários, e lançar novas variações de seus produtos em stands no Festival de Verão. Ou seja, as proibições apenas refinaram as práticas de marketing das empresas tabagistas. Da mesma forma, as propagandas de cerveja ficaram ainda mais criativas e engraçadas.

Proibições são ótimas para as drogas, nunca se bebeu tanto nos Estados Unidos, como na época da Lei Seca. Assim como foram as proibições iniciais que incitaram o contrabando (e, logo, o maior acesso e consumo) ao café, o açúcar e o tabaco). (Carneiro, ano?).

Quanto às drogas ilícitas e sintéticas como cocaína e crack,seus efeitos sobre o organismo e a comunidade são ainda mais severos. Ambos são derivados da folha de coca, consumida a milhares de anos na Bolívia e outras regiões andinas. A cocaína, como o ópio ou heroína, eram drogas elitizadas até o século XX. O mundo contemporâneo convive com o paradoxo: nunca o comércio de drogas (lícitas ou não) teve tanta importância mercantil e tampouco concorreu com tanto proibicionismo. (Carneiro, ano?). Talvez uma coisa explique a outra.

Isso tudo, contudo, não explica porque inferno alguém decide experimentar crack, ao invés de ficar na cervejinha ou no cigarrinho (do capeta, ou não). Eu não tenho uma resposta para isso. Mas sei que na Escandinávia, existem clínicas frequentadas por usuários de drogas injetáveis (heroína, cocaína, etc.). Os governos fornecem subsídio financeiro, agulhas e seringas descartáveis e ao que parece os louros noruegueses não estão entrando em extinção por causa da AIDS, de overdoses, de favelões governados por bandidos, de bopes, e reticências. Claro, para eles é mais fácil, o estado é mais organizados, os serviços de saúde também, a renda per capita é maior (o que provavelmente explique por as pessoas lá não apelem para a pedra). E mais importante ainda, as drogas não são fabricadas lá. E sim na Colômbia, no Suriname, no Afeganistão e outros países pobres.

E o que se pode fazer? Correr atrás e tentar criar uma sociedade mais igualitária como as escandinavas. Ou estaremos fadados a esta legislação e regras culturais ambíguas sobre drogas. Mas durante a corrida, sinta-se livre para drogar-se. Só faça-nos o favor de não matar, roubar ou agredir ninguém.

Por: Thiago Oliveira

Referência:


Assista:

7 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  2. o link par ao texto de Carneiro: http://www.revistaoutubro.com.br/edicoes/06/out6_10.pdf

    ResponderExcluir
  3. Parte I: meu comentário ta dividido em vários, ta beem grande.. queria fazer um post mas sou meio analfabeta virtual e não consegui fazer.. Ai vai:

    Ainda não possuo uma opinião concreta sobre a legalização ou não das drogas, mas enxergo que essa questão é extremamente complexa e deve ser problematizada exaustivamente, levantando todos os pontos e reconsiderando-os, não definindo-os unicamente como prós e contras. Na realidade, a problemática maior envolvida com o uso das drogas é a criminalidade ligada a ela, o que me faz pensar que a questão não é simplesmente usar na rua sem ser preso ou alimentar o tráfico, e sim, o que fazer com os setores sociais atingidos pelo uso ou não das drogas (seja ilícita ou licitamente).

    Focando a discussão na legalização e seus efeitos - até porque os efeitos da proibição e suas causas já são conhecidos - acredito que, caso fosse legalizada, a droga se tornaria mais um produto de consumo de um capitalismo legal (no sentido de permitido).

    ResponderExcluir
  4. Parte II:

    Atualmente, as grandes marcas mundiais não vendem mais seus produtos elas vendem a experiência que a marca pode gerar, a sensação que você terá quando comprá-la e usa-lá. Um exemplo disso é a Nike, que, não vende mais seus tênis para esporte, passeio ou escola, ela vende sua marca e a experiência que seus produtos geram. Observando isso, tenho uma forte desconfiança de que o mesmo aconteceria com a legalização da droga, qualquer que seja ela. É fácil imagina-la, qualquer que seja, virando peças de publicidade, elaboradas por mil e um marketeiros, sem considerar os efeitos produzidos na saúde do consumidor (sim, consumidor e não mais usuário), vinculadas em intervalos comercias fazendo forte apelo ao seu uso. Pode parecer estranho pensar assim, mas isso já acontece: Coca-cola e cigarros são bons exemplos.

    Talvez isso não aconteça logo após a legalização porque ainda vai existir preconceito ligado ao uso das drogas e as empresas relacionadas a esse produto comercial logo ficariam estigmatizadas e teriam sua imagem queimada. Essa conseqüência é obvia, visto a quantidade de preconceitos (nem preciso dizer sem fundamento) na nossa sociedade que estão muito mais ligados a crenças religiosas do que experiências práticas ou cientificas.

    ResponderExcluir
  5. Parte III:

    No entanto, a questão maior aqui é a banalização, no sentido de torna-se comum, do seu uso, o que modificaria a esfera a qual as drogas está ligada. Ela sairia do âmbito judiciário para o da saúde e da economia. E é aí que está a questão. Grandes empresas (como hoje já acontece na ilegalidade) teriam o domínio da produção, logo pequenos produtores e comerciantes ficariam fora do jogo. Assim, aquele pequeno produtor teria que pagar mais caro pela matéria prima no atacado ou no varejo se for consumo próprio.
    Isso não estaria reforçando mais uma vez a discrepância social?

    Também tenho minhas duvidas em relação a diminuição do tráfico. Acho que a legalização tiraria a droga do patamar “produto traficado” e passaria para o “produto pirateado”, e só. Usando um exemplo bem grosseiro, DVDs são legalizados, no entanto, são pirateados ao céu aberto nas ruas de Salvador e há quem diga que também alimentam a criminalidade, assim como as drogas, mas não na mesma proporção. O que garante que isso não aconteceria também? Em países como a Holanda, as drogas são caras e o sistema de saúde garante assistência aos usuários, aqui no Brasil, ainda não existe estrutura suficiente no campo da saúde que garante um bom atendimento e intervenção quando necessário.

    ResponderExcluir
  6. Parte IV:

    Pelo menos, tratando-se os usuários em um sistema de saúde preparado para seu acolhimento, eles ficariam menos sujeitos as casas de apoio (como tantas que existem por aí, algumas sérias) que lhe retiram do ambiente onde o reforço ao uso das drogas se deu e o enviam para outro estado, cidade, etc, bem distantes das contingências mantenedoras do uso constante. O usuário nesse caso não aprende a lidar com a dependência, na medida em que não identifica meios de controlar o ambiente em que se encontrava. Além disso, em troca do tratamento, eles ainda tem que vender canetinhas no ônibus para cumprir uma cota mínima, aqueles que não batem a cota não tem mais o direito de continuar na casa de apoio.

    Considerando tudo isso, o que fica claro é que a aplicação contínua de regras punitivas não resolve o problema do uso indiscriminado das drogas, ao contrário, elas tem permitido seu aumento gradativo, porém, legalizar seu uso não é apenas uma questão de sair de cima do muro e tomar uma posição, seja contra ou a favor, mas é também identificar que há diversos setores da sociedade envolvidos e que TODOS, serão e são afetados por qualquer decisão tomada. E, pior, serão afetados negativamente se qualquer umas das posições forem tomadas sem uma análise profunda das conseqüências a médio, longo e curto prazo.

    ResponderExcluir
  7. Pessoal, vejam esses dados sobre pesquisa de consumo de drogas entre universitários.
    http://br.noticias.yahoo.com/s/30072010/11/saude-drogas-alto-consumo-fuga-ou.html

    ResponderExcluir